quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Marmota


Dona Fulana é uma senhora engraçada.

Ouve-se um barulho de chinelos se arrastando em cemitério... schec, schec, schec... Logo se reconhece: é Dona Fulana vindo.

Dona Fulana não fala. Mastiga as palavras, com educação: de boca fechada. De dentes trancados. Uma língua que só ela entende.

Mas essa parece a única educação que ela tem. O que ela entende por higiene e bons costumes, eu entendo o contrário. Coitada. A unha encardida que limpa o chão é a mesma que vai no bife do almoço. Quando Dona Fulana faz um bolo e me oferece, digo “Ô, Dona, obrigada, mas estou de dieta”, e num falso agradecimento “hmm... está com uma cara ótima!”.

Esta Dona adora comida. Não pode ver alguém comendo ou esboçando um gesto parecido com o abrir de uma barra de chocolate, e logo pergunta: “que isso?”. Teria ela uma lombriga Oiapoque-ao-Chuí?

Aliás, ela pergunta “que isso?” pra tudo. Para o que é de seu real interesse (quase nada) e para o que não é também. Dona Fulana Xereta.

Ela é do tipo que enche o saco, mas não por maldade, e sim por hábito. Faz sem perceber. E as vítimas, por terem pena, agüentam sem dar um pio. Eu mesma penso duas vezes antes de mandar um “cai fora, véia!”. Mas de nada adiantaria. Porque quem não tem noção repete a ação. Ignoro.

Às vezes dá raiva, às vezes pena. Pois, por detrás daquele chinelo arrastando, da boca trancada pra falar e arreganhada pra comer, da xeretice e da inconveniência, está um bom coração.

Eu diria que Dona Fulana é ingênua. Tem uma pureza que o mundo moderno não acata. Ô, véia chata! Não teve boas oportunidades na vida: trabalhou na roça de sol brabo quando menina, hoje todos lhe dão mais idade do que tem, é faxineira, casou-se com um trabalhador-cachaceiro, e nunca têm dinheiro, penam nessa vida.
Dona Fulana formou-se clichemente na escola da vida. Sofrida, sem educação, quase sem comida, sempre sem noção.

Dona Fulana me irrita, mas a compreensão que eu tenho não me deixa maltratá-la (tanto). Quando escapa uma palavra agressiva, ela entende que não estou nem com saco nem com tempo; sai de fininho. Sem mágoas. E depois volta... Dona Fulana Marmota!

4 comentários:

Eduardo Martinez disse...

A Talita é o orgulho literário desse blog! o resto é papo de buteco.

Talita Rustichelli disse...

Obrigada por inaugurar os comentários, Du! hahahaa

Diego Assunção disse...

A Talita tem uma escrita tão boa e distinta do blog - como o Eduardo mencionou - que acaba por intimidar os leitores a comentar.

Ela é um ovni. Está muito além do nosso universo, haha

Disciplina de Radiojornalismo disse...

Eu conheço uma versão masculina da Dona Fulana Marmota. huauhaahuhuahau