sábado, 21 de maio de 2011

O dia em que Bon Scott morreu pela segunda vez


Na última semana, Tico Santa Cruz, vocalista e cabeça (oi?!) do Detonautas, colocou todo seu esforço direcionado para assassinar um hino do rock’n roll e, claro, chamar atenção para sua esquecida banda. “Como esquecida? Eles até vão tocar no Rock In Rio”. Ah sim, claro, Rock in Rio... pfffff. É só dar uma olhada na programação para notar que, para os organizadores, ainda estamos em 2002, talvez 2003. Ou seja, grande bosta!

O “gênio” pegou a base de Back in Black, do ACDC, e colocou uma “letra” por cima. O pior não é o aglomerado de clichês “cheios de atitude”, é que no refrão ele deixou a voz do Brian Johnson, ou seja, um dueto entre Brian Johnson e Tico Santa Cruz, NÃÃÃÃÃÃÃÃÃOOOOOOOO. Bon Scott, segundo vocalista e figura emblemática da banda, junto com os irmãos Malcom e Angus Young, morreu mais um pouco com isso.

Segue abaixo a “música” (me desculpem pelo excesso de aspas, mas cabem muito bem por aqui). Por sua conta e risco. E ainda uma breve “análise” dos “versos”.


Querem me calar mas mesmo assim
(é engraçadíssimo como esses caras acham que são subversivos)
Eu sigo na missão e vou lutando até o fim
(que missão, cara pálida! De deixar a juventude mais estúpida? E lutando contra o que? Quem pediu?)
Se o radio não toca rá,não tem problema
Entro pela internet depois quebrando teu sistema
Censura, boicote, alienação
Querem jovens idiotas pro futuro da nação
(aqui ele quis dizer: “minha música não toca mais em lugar nenhum, fiquei puto, mas tudo bem. Coloco qualquer merda na internet, falo que fui boicotado e conclamo a juventude para lutar contra sei lá o que. Tudo isso porque não trabalho com a hipótese da minha falta de talento e da irrelevância das minhas músicas”)
Mas não foi sempre assim e nem precisa ser
Quebre essa corrente então bota pra foder
(um “foder” sempre soa bem, dá aquela cara de rebelde)
Com esses moleques retardados criado em shopping
Todos afetados, cérebro de brócoles
(precisa comentar sobre essa pérola?)
Dizem que isso é rock isso não é rock não
Rock é isso aqui então aprende esse refrão
(“rock é isso aqui”. Primeira coisa sensata dita na música, considerando a música Back In Black, claro)

Heeeeeeheee
I’m back in black, cuz’ i’m back in black
(pobre Bon Scott!)

Se me bloqueiam de um lado, eu me infiltro do outro
Eu sou pior que um rato eu entro pelo esgoto
(ele quem disse)
Voltei de perto pro combate sem medo de apanhar
Eu não sou jesus cristo então vou revidar
(outra pérola. É um verdadeiro poeta)
A brincadeira é rebeldia, sem inteligência
Essa vidinha de gato é realmente deprimente
Ninguém questiona nada, ninguém contesta
Aceitam tudo calados ou somente detesta
Quando eu mudo minha faceta
Vejo o outro lado
Chega de exaltar esse glamour falsificado
(não via tantos clichês juntos desde, sei lá, algum single do Detonautas. Ops)
Eles dizem que isso é rock, rock é isso aqui
Aprende com quem sabe ai ac/dc

Heeeeeeheee
I’m back in black, cuz’ i’m back in black
(nesse momento Bon Scott está de barriga pra baixo, no túmulo)

Não foi capa de revista nem colirio da capricho
Lembro quando mtv tocava rock e era o bicho
(realmente ele não anda vendo MTV. Só um comparativo: pegue as bandas que tocam em programas da MTV atuais como Na Brasa e Big Audio. Agora compare com a geração que era “o bicho”: Detonautas, Charlie Brown, Tihuana e congêneres)
Tentaram me calar mas olha eu aqui de novo
Junto com os parceiros rá eu quebro o jogo
Quebrando a banca, curtindo o movimento
Atitude e consciência é conhecimento
Chega de aturar essa enganação aprende com quem sabe
Cante esse refrão
(esse papo de “movimento” me lembra automaticamente a treta do Dado Dolabela com o João Gordo. “Atitude”: a palavra mais banalizada das últimas duas décadas. O CPM22 dizia em uma propaganda de lâmina de barbear, o Chorão repete compulsivamente e, logicamente, sem sentido.)

Heeeeeeheee
I’m back in black, cuz’ i’m back in black
(Scott tomando um Fatality)



sexta-feira, 13 de maio de 2011

Johnny Cash e a voz de Deus


Frank Sinatra era conhecido por “A Voz”. Porém, se me fosse delegado para escolher uma voz a representar a divindade, eu escolheria Johnny Cash.

Além de me emocionar com seus covers, ainda impressiona como ele era capaz não só de transformar como elevar as composições de outros artistas.

Escute I Hung My Head na versão original de Sting e depois a cantada por Cash. Com o líder do The Police, ouso dizer que a letra funciona, no máximo, como uma versão correta para uma música de protesto genérica.

A música narra os percalços de um homem após matar acidentalmente um cavaleiro. Pode-se dizer que este conteúdo já seria um material ideal para aquele que se tornou o arauto de todos os renegados após cantarolar “Eu matei um cara lá em Reno só para vê-lo morrer” no presídio de Folsom.

Mas a letra de Sting ganha profundidade não só pelo motivo de Cash ser o pai de todas as baladas criminais. Sob o timbre do “homem de preto”, os versos ressoam como se fossem um testemunho verídico.

É aquela rouquidão. A voz a sair com dificuldades das profundezas da alma. Entonação que ganha lentamente força no refrão que constata o próprio e inevitável enforcamento após implorar o perdão de Deus...


Não há deslumbre ou virtuosismo na maneira de Cash conduzir a canção. É com prudência que ele professa os versos. Não há falsa-modéstia nisso. Apenas uma decisão moral. “Como cantar de outro modo a própria desgraça?”, ele poderia perguntar.

Esse exemplo resume a capacidade que o marido de June Carter tinha de se apropriar de canções alheias ao ponto de torná-las dele. A isso se dá o nome de interpretação. E, de fato, Johnny Cash é reconhecido ao redor do globo como um dos mais importantes intérpretes da música popular norte-americana.

Aos montes de covers que foi erigida a monumental série American Recordings, gravações produzidas por Rick Rubin para o seu selo homônimo. Foi esse projeto o responsável por dar sobrevida a uma carreira tida como encerrada.

Com essa série, Rubin conseguiu a prova definitiva de que não haveria limites para o talento de Johnny Cash. Não importava o gênero ou a popularidade envolvida, o cantor conseguiria destruir rótulos e triunfar com sua personalidade em músicas já consagradas por outros nos ouvidos da multidão.

Com canções retiradas das paradas de sucessos - One, do U2 - ou escavadas do subterrâneo, como Hurt, do Nine Inch Nails, Cash soube incorporá-las em sua trajetória pessoal.

O melhor é que ele não temia refazer canções contidas no templo da música popular. Teve a audácia de remexer em terreno sagrado ao gravar In My Life, dos Beatles.


Com uma nobre alma também tratou todas as canções por igual. Só sua voz ousaria servir como ponte para que Leonard Cohen e Soundgarden caminhassem pela mesma vereda. Do primeiro, gravou Bird on the Wire. Da banda de Chris Cornell, Rusty Cage.

Sua voz era como um milagre. Não diria que agiu como um Midas a transformar tudo em ouro, já que muitas vezes regravou canções que eram por si só tão opulente e brilhante quanto o metal.

Mas ele conseguia o impossível. Tornar ainda melhores canções que já eram imortais. Eu amo as músicas de Tom Petty, mas como não se render à versão de Cash para I Won’t Back Down? E o que dizer dele cantando The Mercy Seat, de Nick Cave?

Dizer que Johnny Cash era um intérprete fenomenal é chover no molhado. A denominação se apequena diante do talento e poder contido em sua voz. É como se a palavra “intérprete” requeresse um novo sentido diante do seu dom. E eu não faço idéia qual seria o termo justo ou ideal.

Só acho que se Deus tem uma voz, ele a roubou de Johnny Cash. Da mesma forma como o cantor roubaste canções alheias para si.

*

Ouça as duas versões de "I Hung My Head":

Sting:


Johnny Cash: